O Dilema do Porco Espinho, de Leandro Karnal [resenha]

“Não me roube a solidão sem antes me oferecer a verdadeira companhia”. A frase é do escritor Irvin D. Yalon, no livro Quando Nietzsche Chorou. A obra ficcional mostra o pensador alemão em terapia. Na internet, a afirmação que abre este texto aparece atribuída à Nietzsche em postagens motivadoras.

Fugindo dessa banalidade das redes sociais, o livro O Dilema do Porco Espinho, do professor Leandro Karnal, é uma fonte segura e interessante que discute as várias faces da solidão. O título da obra parte da lógica que um porco espinho deve ficar próximo a outro o suficiente para sentir a presença do companheiro, mas no limite para não se machucar. Assim, as pessoas também podem se comportar nas relações de trabalho, pessoais e amorosas: próximas para sentir o calor humano, porém com uma distância segura para não se ferir.

No livro Karnal, passeia em seis capítulos sobre as diversas formas que a solidão é representada na arte, literatura, filosofia e na história.

Na discussão feita no livro, a atualidade exige a permanente felicidade, presença em grupo e convivência festiva, alegre e com pouco espaço para o indivíduo e a sua introspecção. Segundo Karnal, “a solidão pode ser um exercício contemplativo muito bom e um ponto de crescimento. O convívio também pode ser rico pela diferença e pelo atrito em si”. No entanto, o professor argumenta que as redes sociais “não oferecem o isolamento necessário para o crescimento e a intimidade densa e até conflituosa da relação humana”. Essas frases estão no segundo capítulo. Nele Karnal também trata do sujeito que é chato. Para o autor, o chato é aquele que “lhe retira da solidão sem oferecer companhia. É difícil escapar dele em casa, no trabalho ou na rua. Os chatos são onipresentes”.

A solidão do Porco Espinho nas artes, religião e na literatura

Um dos grandes nomes lembrados por Karnal que dissertou a respeito da solidão é Orson Welles. O cineasta americano afirmou de modo pessimista: “O homem nasce só, vive só e morre só. O amor e a amizade dão-nos a ilusão, momentaneamente, de não estarmos sós”.

Na religião, a introspecção é um dos fundamentos para alcançar a divindade, na busca de formas de comportamentos alinhados aos dogmas e na força que emana da oração. Karnal explica que “tal silêncio contemplativo é inequivocadamente solitário”.

Na discussão no campo da linguística e da literatura, Karnal lembra o trabalho da inglesa Amelia Worsley que investigou as origens da palavra solidão. A pesquisadora “percebeu que, até o século XVII, a palavra quase nunca era usada. Quando o era, designava algo muito distinto do que concebemos hoje. Em um glossário de palavras pouco usadas, compilado em 1674 por John Ray, ‘solidão’ é definida como ‘estar longe dos vizinhos'”.

Karnal ainda trata de diversas outras obras do cinema e da pintura que abordam a temática da solidão.

O que vi na obra?

Eu li o Dilema do Porco Espinho no Kindle. Fiz uma escolha um tanto ao acaso. Como alguém que sempre sentiu-se só, a leitura parecia um convite a mergulhar no fenômeno da introspecção. Acertei. A obra é esclarecedora ao mostrar que não há nada de mau nesse sentimento. Na verdade, o maior problema está no esforço de tentar viver um modelo de vida que não corresponde ao que você é ou almeja. Estar sozinho, sentir solidão, solitude são os grandes temas investigados por Karnal com auxílio das artes, filosofia e literatura e que são fenômenos naturais da própria vida.

A leitura de O Dilema do Porco Espinho toca em um tema atual e visita-o com serenidade, equilíbrio e com a profundidade necessária para ir muito além das postagens de citações do Instagram.


O Dilema do Porco Espinho

Autor: Leandro Karnal

Editora: Planeta

187 páginas


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