A realidade da tragédia Yanomami e a ficção de Avatar: a arte imita a vida

Mãe com bebê indígena Yanomami nos arredores da Casa de Saúde do Índio, que presta acolhimento aos indígenas trazidos em situação de emergência para Boa Vista/ Fernando Frazão/Agência Brasil

Um povo vive desde sempre integrado à natureza. Junto às árvores, plantas e animais, eles têm a sua cultura, família e deuses. Porém, sem ter consciência do que estaria por vir, outro tipo de humano consegue encontrar uma grande reserva de minério embaixo de suas terras.

O trecho parece uma sinopse da primeira versão do filme Avatar, do diretor James Cameron. Sucesso de público, o segundo filme está nos cinemas e dá continuidade à história de Jack Sully, um ex-fuzileiro que graças a um corpo gerado em laboratório conseguiu se tornar membro da tribo dos Omaticaya. Inicialmente, ele tinha a missão de descobrir os segredos dos nativos e garantir a exploração Unobtanium, um mineral encontrado no local onde está a aldeia. Mas, ao longo do primeiro filme, ele percebe como a cobiça do ser humano iria resultar na ruína daquela população.

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O povo Yanomami está há aproximadamente mil anos na região onde é o estado de Roraima. Somente em meados do século XIX, eles tiveram contato com uma população não indígena pela primeira vez. O assédio a eles, a partir do século XX, aumentou depois que o governo instaurado no Brasil em 1964 teve a “brilhante” ideia de fazer uma expansão econômica na Amazônia, que resultou na abertura de estradas. Na mesma época, uma pesquisa denominada Projeto Radam mapeou as áreas de minério em diversas regiões no país. Descobriu-se que a terra Yanomami era rica em cassiterita e ouro.

Como disse Aristóteles, “a arte imita a vida”. Do mesmo jeito que no planeta ficcional de Pandora, criado por James Cameron, uma população em harmonia com a Terra enfrenta a ameaça de homens e máquinas armados, na vida real, os Yanomamis sofrem com a cobiça de uma gente que parece não respeitar nada.

E se o cinema de Hollywood oferece o conforto de um final após horas de lutas e batalhas, a vida do indígena brasileiro é marcada por um conflito cruel e secular. Nas notícias atuais, as imagens de crianças desnutridas, idosos doentes e uma terra arrasada pela sanha do garimpo só não comovem os ignorantes e aqueles que se beneficiam da exploração vil de recursos naturais e da própria vida humana.

Há poucos dias, durante uma viagem, ouvi um senhor comentar que as imagens Yanomamis eram falsas e todos eram de países vizinhos. Instantes depois, ele começou a ler um jornal com uma notícia sobre o filme de James Cameron. Ele olhou a página e disse ao colega: “cinema bom é americano”.

Yanomami

Não bastasse todas essas semelhanças entre ficção e realidade, curiosamente, há cinéfilos que apontam um filme brasileiro como inspiração para a saga Avatar. A obra de Hector Babenco, Brincando nos Campos do Senhor, de 1991, mostra a história de missionários americanos que devem catequizar um grupo de indígenas na Amazônia. Ao mesmo tempo, dois mercenários fazem um pouso forçado de avião na área e são chantageados a bombardear a aldeia. O filme está disponível para ser assistido gratuitamente no catálogo do Itaú Cultural Play, uma plataforma de streaming com filmes e séries brasileiros.

E até onde vai essa história? Essa pergunta não tem relação com Avatar. Afinal a gente pode ver no cinema o novo título que tem o nome de Caminho da Água e sabe que mais três ou quatro novos filmes devem ser produzidos. A dúvida é quais serão os capítulos seguintes da vida dos Yanomamis? A tragédia Yanomami é real e não tem cortes. Nem sempre há heróis ou sequer o maior vilão é derrotado. Talvez nada disso seja necessário. Mas pelo menos o fundamental que é a dignidade desse povo, o Estado deve garantir.


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